Clubes de leitura e a solidão compartilhada

FP_Rodrigues_VB_09_agosto_16

ilustra: FP Rodrigues

para Victor Simião e Flávio Rodrigues

Interrompo a série de versões atualizadas dos contos clássicos com pitadas de clichês contemporâneos, cuja escrita tem sido uma grande diversão, para falar de outras coisas um pouco mais sérias. Mas não se acostume, leitora, pois semana que vem estarei de volta com uma revisita à Cinderela. Quem vir ler, lerá.

Semana passada tive duas experiências incrivelmente interessantes no Paraná, essa potência literária de fazer inveja a Rio e São Paulo. E nem digo de Curitiba, cuja vida cultural é intensa que não entendo por que não engata ali uma Bienal do Livro. Estive em Londrina e Maringá, cidades de médio porte que dão um banho pela tranquilidade e organização, especialmente pelo contraste que senti após sair de um Rio de Janeiro em estado de caos por conta das Olimpíadas que estavam para começar.

Pelo IBGE, Londrina já seria de grande porte, uma vez que ultrapassou os 500 mil habitantes. Mas o charme de lá é, pelo menos ainda, de cidade menor. Cheguei à Universidade Estadual, escoltado pelo escritor e camarada Marcos Peres, para conversar com algumas turmas de Letras. Ao entrar no anfiteatro, o professor já lia para a turma o início do meu romance, o que me causou grande acanhamento, reavivando a timidez que tive a vida inteira e contra a qual luto sempre que vou falar em público.

Mas bastaram uns minutos de papo para que surgisse uma identificação mútua e começássemos a trocar ideias. Como fosse à noite numa sexta-feira, falava com um grupo que luta para conciliar o trabalho durante o dia, as aulas e as leituras, que costumam tomar os finais de semana e quaisquer horas livres que surjam. Daí que, convidado para falar sobre criação literária, não me preocupei em dar um aulão teórico, mas, sobretudo, em papear sobre essa condição de estudante com pouca grana e muito sonho. E reencontrei nos olhares da galera o aluno de Letras que fui, e de certa forma ainda sou, procurando conhecimento e espaço para expressar uma voz literária que começa a tomar forma por volta dos vinte anos.

Não é fácil, nunca foi. Primeiramente, porque já se apregoa, mesmo na Academia, uma ideia falsa segundo a qual os cursos de Letras não devem formar autores, mas se restringir ao magistério. Tremenda bobagem. Se o escritor deve ter qualquer origem e formação, sem preconceito, por que negá-la justamente ao espaço onde a literatura é estudada como prato principal? Outro fator é que os acessos à publicação, ainda que tenham melhorado nos últimos anos, continuam bastante restritos ao jovem de interior/periferia não apadrinhado. Escrever literatura no Brasil é uma eterna corrida com barreira. O exercício e a persistência é que podem garantir a continuidade na pista para aqueles que estão dando as primeiras passadas, especialmente depois de cada inevitável tombo. E os tombos continuam vida afora, convém lembrar.

No dia seguinte, em Maringá, estive com o Clube de Leitura Bons Casmurros. Trata-se de uma turma bem diversificada que se reúne a cada três semanas para discutir um livro previamente lido (se está lido só pode ser previamente, ó pá!). E o meu romance foi a bola da vez.

Venho participando de vários eventos literários nos últimos anos. Muitas vezes os encontros com leitores seguem um roteiro parecido, e fica-se sempre com a sensação de que teria sido melhor caso as pessoas tivessem lido algo do autor. Faz toda a diferença. Nos clubes de leitura, a intenção é exatamente entrar no livro e trazer as questões capturadas para que sejam apresentadas e discutidas. O protagonista é a obra literária.

Se num evento com centenas de pessoas é impossível a interação entre todos, no caso dos clubes de leitura a ideia é justamente que todos participem. Como se trata de um grupo pequeno, composto por 20 integrantes, há espaço e tempo para que todos se manifestem. E foi isso que encontrei.

Passei a maior parte do tempo calado, ouvindo as discussões suscitadas pelo livro, algumas bem novas para mim. Geralmente lemos isso em textos teóricos bacanudos, mas nessas situações reais é possível comprovar que a leitura literária é uma troca de experiências singulares, pois cada um traz sua bagagem para dar sentido ao que leu, e assim faz do livro algo novo e único. E no fim das contas o resultado é a formação de leitores cada vez mais acurados, com visão ampla de livros e de mundo. A leitura, assim como a escrita, é um ato muito solitário, mas nesses encontros se descobre que a solidão literária pode ser bela e produtivamente compartilhada.

Não acredito que haja uma solução mágica para que aumentemos da noite para o dia os nossos números tão esmirrados na área da leitura literária. Mas se os clubes de leitura – cujo custo é praticamente zero – fossem estimulados em todos os bairros do país, utilizando livrarias, bibliotecas, escolas, centros comunitários et coetera, acredito que em algum tempo a situação começaria a melhorar.

Porque há uma necessidade de reinvenção do mundo entre as pessoas, e a literatura pode ser um caminho privilegiado para isso. Foi o que aprendi nesses dois dias como aluno e, ainda que por um dia, membro do clube.

2 Comentários

Assunto crônica

2 Responses to Clubes de leitura e a solidão compartilhada

  1. Henrique, participo de dois clubes de leitura em Niterói e acho enriquecedor. Quando tiver um tempo, nos visite: Clube de leitura Icaraí e Leia mulheres. Bjs Andreia http://www.mardevariedade.com

  2. Henrique

    Andreia, maravilha esse clube. Me convida um dia que eu vou! Beijo, Henrique

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *