Cinderela empoderada

fp_rodrigues_vb_16_agosto_16

 

Reza a lenda que havia por estas plagas uma novinha chamada Cinderela. Filha de pai comerciante do tipo novo-rico, aqueles da burguesia emergente da Barra da Tijuca, a menina tinha de um tudo ao simples estalar dos dedos. Uma vez que o pai só se dedicava aos negócios e a mãe havia se mandado para a Europa com o personal trainer, restava à pobre menina rica destilar sua existência entre shoppings e baladas para moças de fino trato. Mesmo porque ficar em casa significava ter de aturar a madrasta e suas duas filhas. Se a primeira era uma madame daquelas feias por dentro e por fora, as outras não ficavam para trás, igualmente fracas de feição e destituídas de dotes físicos de encanto ou graça.

Até que um dia veio a crise (crise, que crise?, pergunta-se a leitora desavisada, a quem se recomenda uma ida rápida ao supermercado), cujo resultado imediato foi um piripaque devastador que fez o pai bater as botas.

E assim restou à madrasta continuar criando a pobre (agora sim) Cinderela. Os cartões de crédito e celular foram retirados da moça, que foi obrigada ainda a trabalhar no Bob’s para ajudar em casa, onde ainda tinha que lavar, passar e cozinhar para as três dondocas. Que crueldade, poxa!

Acontece que em dado momento foi anunciado um grande baile, com muita gente bonita, clima de paquera e damas grátis até meia-noite. (Esse último item seria retirado da divulgação porque muitos galalaus equivocados poderiam chegar ao local dizendo “ok, eu quero a minha para viagem”.) E o DJ convocou geral para o evento, queria todas as meninas da região, a fim de escolher a rainha da parada. Como a madrasta feiosa soubesse que Cinderela iria chegar divando no baile, proibiu-a de participar, pois a jovem não tinha trajes adequados para tal festividade.

Triste que só, Cinderela seguiu a dica de umas amigas e passou num brechó, onde adquiriu a preço de areia (banana prata a 9 mangos o quilo nos impede de usar a expressão correta) um kit basicão de shortinho e top. A vendedora, no entanto, alertou que as roupas precisavam ser lavadas antes do reuso, pois não se sabia a procedência. Mas na pressa Cinderela se trocou e tomou a carreira para o baile.

E então a madrasta e as duas filhas estavam lá, torcendo para serem clicadas com seus vestidos de casamento dourados e excesso de maquiagem que já endurecia seus rostos em máscara, até que Cinderela fez uma entrada triunfal justamente quando tocava um funk melody clássico da década de 1990. “Essa manda bem no passinho”, disse o DJ lá do alto, já apontando para sua escolha. Mas quando ele desceu para pegar sua selecionada como quem captura um pokémon, algo inusitado aconteceu.

Conforme Cinderela ia dançando, seu suor se misturou ao da antiga dona da roupa, gerando um bodum sinistro e matador, que fez a jovem se pirulitar do baile numa carreira de fazer inveja ao Usain Bolt. Na pressa, um dos pés do seu tênis ficou para trás. E o DJ ficou apenas com essa lembrança da sua musa daquela noite.

Nos dias seguintes, correu por toda a região atrás de uma moça que tivesse perdido um pé do tênis. Estava obcecado, com ideia fixa na coisa. E várias garotas diziam ser delas o calçado perdido, mas em algumas nem entrava no pé, e outras o DJ nem queria que tentassem calçar, como foi o caso das duas irmãs brucutus. Já desconsolado, viu que na rua havia uma moça entrando numa lanchonete, e ela estava com apenas um pé calçado com o tênis, no outro um  chinelo. E como a moça fosse toda certinha, viu que valia a pena confirmar.

“Minha princesa”, disse a Cindelera, mostrando o tênis, que só então descobriu ser parte do uniforme do Bob’s.

“Aff, dá isso aqui. Agora vaza”, respondeu a moça, em tom de estresse.

“Mas como? Você é a minha escolhida do baile. Vem ser minha poderosa!”, implorou o DJ balançando os cordões e as pulseiras de ouro.

“Jamais! Sai pra lá!”, replicou a moça.

“Mas você não foi ao baile para ser a rainha?”

“Quem te disse isso? Eu fui só pra dançar mesmo, tio”, finalizou Cinderela, que pegou o tênis e saiu correndo para bater o ponto. E, quem sabe, ser Destaque do Mês.

Moral: a crise afeta todos e tudos

Moral 2: nem toda madeira que boia é jangada

Comente

Assunto crônica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *