Peter P@n e a síndrome do peterpânico

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ilustração: FP Rodrigues

Era uma vez um jovem que, como todos os demais, estava embebido de empoderamento da sua voz como ser social, além de pertencimento da territorialidade mundana e do protagonismo proativo diante da rapaziagem.

Assinava Peter P@n nas redes sociais, assim bem anglófilo mesmo e com direito a arroba, por conta da ampliação da comunicabilidade e porque fica mais da hora. E por isso é que o mancebo tinha bastante seguidores no facebook, insta, twitter, snapchat e outro aplicativo que já saiu de moda entre a escrita dessa crônica e sua publicação. Seu canal no youtube, em que comentava sobre as próprias postagens das outras redes sociais (cujo assunto principal, por sua vez, era a repercussão do canal) começava a bombar e já pensava em fazer livro, caneca e camiseta, a fim de agregar valor no autoimpulsionamento.

Mas Peter, tal como um playmobil, era relativamente articulado. Ainda que mal saísse de casa, participava de todos os abaixo-assinados que chegavam por e-mail, num engajamento de dar gosto. E na segurança virtual (a verdade é que quase não saía de casa) não deixava de atacar maiorias e minorias de acordo com o termômetro do politicamente correto da semana. Assim como o ovo e o café, mudava de postura de acordo com as pesquisas recentes, garantindo likes suficientes para, em poucos meses, começar a se entender como uma celebridade.

O que ninguém desconfiava era que, ambiente doméstico, havia certa preocupação com o fato de o rapaz ter abandonado os estudos para se dedicar à nova profissão. Algo de que o pai desconfiava por não achar aquilo trabalho de verdade, mas a que, por outro lado a mãe dava força – ela mesma começou a surfar na onda virtual que o filho gerava, tendo concedido uma entrevista sobre “a vida pessoal do Peter” para um blog de fofocas.

Os tempos foram passando, passando, as tecnologias evoluindo, evoluindo, até que surgiu um projeto piloto de realidade virtual a que só teriam acesso uns poucos jovens antenados, grupo do qual Peter fazia parte. E nesse mundo novo, chamado de Terra do Sempre, a imersão era um tipo de Matrix, porém mais colorida e cheia de aventuras irresistíveis: luta contra sites piratas, fadinhas, crocodilos e índios. Nessa altura, Pokémon Go era apenas uma referência legal antiga, tipo Atari.

Peter P@n não conseguia sair mais daquela projeção virtual, e o mundo cá de fora, chato pacas e limitado, era apenas tolerável a base de ansiolíticos cada vez mais fortes. Em dado momento, conforme o jovem esperneasse entre frescuras leves e convulsões babantes, a família desistiu de vez e passou a injetar os remédios numa sonda, por onde também começaram a ir os alimentos que o mantinham vivo. O pai, resiliente, parou de reclamar porque o canal Peter na Terr@ do Sempre já trazia rendimentos consideráveis para pagar o whisky 12 anos.

E assim o jovem Peter P@n, atrofiado e plugadão, chegava aos 40 com corpinho e cuca de 15.

Mas a natureza humana tarda mas não falha. Daí que Peter chegou voando em realidade aumentada na casa de uma jovem, por quem ele gamou de cara, fazendo tremer fralda geriátrica que usava no mundo real. A menina, pálida de óculos largos, datilografando poemas concretos numa antiga máquina de escrever, era neo-hipster e abdicava de todas as parafernálias tecnológicas, de modo que ela nem tchum pro adolescente tardio que fazia caras e bocas ali ao lado.

Como os índices de serotonina abaixassem por conta do toco real-virtual, a única solução encontrada foi a família aumentar a dosagem do tarja preta, cujo efeito imediato foi o rapaz converter a rejeição em força produtiva, criando o canal Forevis Young, mais um case de sucesso.

Moral: tem gente que se esforça para ser jovial e mal consegue ser imaturo.

Moral 2: cuidado, update que cresce pra baixo, tipo rabo de cavalo, não te faz um artista underground, mas factualmente pode levar a um montinho de bosta.

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Assunto crônica

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