Retratos VGA de uns amigos Full HD – parte 4

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(crônica publicada no site Vida Breve)

Cassio Loredano – considerado por muitos como o maior caricaturista brasileiro em atividade, consta que até quando está inativo o Loredano é genial. Porque, quando não desenha, está olhando, e isso basta. De olhar meio enviesado, Loredano parece estar sempre atrás dos pontos convergentes das coisas, onde cada objeto do cenário pode saltar ou dar um esbarrão em si mesmo, e taí o motivo do seu clique. Carioca de nascença e perspectiva, seu traço cruzou o mundo e, depois de muitas idas e vindas, hoje é um dos que mais entendem a urbanidade do Rio, que sempre foi feita a lápis e sem borracha. E assim ele dá sentido ao garrancho disso tudo. Da mesma linhagem que J. Carlos, Henfil, Nássara e Millôr, o Loredano entende do riscado assume todo o risco que corre, porque no fundo ele desenha o humor presente na curva dos nossos gestos.

Tatiana Salem Levy – Dotada de um talento de berço, Tatiana logo compreendeu que precisava alimentá-lo com sustância para o resto da vida. E assim foi. Estudou, praticou e, logo no primeiro livro, mostrou a que veio, porque sabe que a vida, tal como é, não é suficiente. É dona de uma prosa segura, mas que logo depois de umas páginas, deixa o leitor bambo e capturado por tramas e texturas urdidas com firmeza. Filha de judeus turcos, nascida durante a ditadura, a Tatiana sacou que a geração X virou um amontoado de lacunas, e tratou logo de preenchê-las com aquilo que melhor define a história: ficção. Ela sabe que estamos sempre querendo voltar para casa. E se ela não existe ou foi demolida, mãos à obra.

Júlia Lima – a Júlia Lima tem um traço fofo, adjetivo que hoje serve para designar todas as virtudes que misturam leveza e desarme numa era de dureza e armações. Também conhecida como “a dona da bolsinha”, cativou um sem-número de admiradores pela rede, curiosos com o que sua autocaricatura carrega. E quem chega mais perto, descobre: ali dentro estamos todos nós, esperando para ser recriados pelo olhar sensível dessa moça. De ilustração para livros infantis a redesenhos de marcas, a Júlia consegue transformar qualquer realidade numa versão pocket, filtrada para deixar no papel apenas o que existe de melhor.

Mariel Reis – o talento do Mariel para as palavras furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. Porque tem coisas rotuladas que a sociedade diz, ecoa e tal, mas para elas vale deixar entrar num ouvido e sair pelo outro, sem nem quicar na cuca. Oriundo da Pavuna, subúrbio carioca, o Mariel contraria qualquer tese sociológica de boteco, porque conquistou seu espaço sem pedir cota ou licença: deu a cara e a palavra a tapa. Sem quaquaragem, se revela logo o leitor sofisticado e múltiplo que é: solta um Kafka, dois prousts, um dickens, dois gracilianos e embala pra viagem aqueles três eças ali do balcão. Afiado em narrar, vem afinando cada vez mais o silêncio precioso de quem o lê.

Sergio Leo – jornalista que escreve literatura, sabe a diferença entre o olhar e o fazer. Mas soma as duas habilidades no que têm de melhor, e então parece que o Sergio Leo não para nunca. Ágil e articulado, sabe das notícias e do que está por trás delas, é especialista em relações internacionais. E ensina: fazer relações públicas não é fazer públicas as relações. Com um olho no mundo e outro aqui (tem a percepção meio Cerveró, com a diferença que ambos enxergam pacas), o Sergio Leo também acompanha a bolsa e os bolsos: em livro sobre Eike Batista, prevê que o milionário de araque deve terminar a vida, suando as mangas, numa barraquinha de x-tudo.

Ana Paula Maia – cruel sem cerimônia, a Ana Paula escreve uma cena permeada de assassinato ou escatologia com pinceladas pop, e o leitor passeia por ali meio absorto, como se tocasse um Beethoven ao fundo. Surgiu na internet, explorou as virtualidades mas, como os mais safos da geração, não abandona a tecnologia infalível do livro impresso. A Ana é uma precursora da literatura pulp no Brasil, mas não me arrisco a definir o que seja pulp, embora, quando dizemos pulp, todo mundo saiba exatamente do que se trata. Violenta e tarantina no texto, é dulcíssima no trato, contrariando a expectativa de quem a conhece – felizmente, porque pior seria o contrário.

Eliza Morenno & João Fagerlander – isolados são únicos, mas quando somados se multiplicam. O casal mais poético da literatura contemporânea está por aí, em escolas e eventos literários, entre declamações de clássicos e dramatização de contemporâneos. Quem os conheceu separados sabe que já aprontavam, e a mistura fez com que se tornassem virais e contagiantes. Daí o Poesia Viral que formaram. Quem os vê falando poesia nota logo uma diferença: não nasceram nos karaokês poéticos que versejam por aí, mas cultivaram suas vozes lentamente e com cuidado, porque poesia se decora (no sentido de guardar no coração) é de dentro para fora. (Rimou.) E por isso o mundo os espera, sequioso de poesia que está.

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Assunto crônica

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