A brincadeira desses últimos dias – ou últimas horas, ou últimos posts – é listar uma sequência de dez fatos, dos quais nove deles seriam verdadeiros e um não passaria de mentira deslavada. Tal como muitas das atividades criadas nas redes sociais, a maioria das listas não passa de grande alerta das pessoas requerendo atenção, sequiosos de que fatos corriqueiros das suas vidas adquiram mais relevância do que de fato têm.
Como poucas coisas da minha vida são dignas sequer de uma nota de rodapé, minha contribuição foi listar dez fatos relacionados ao meu periquito de estimação, o Fred. Entre as bobagens verídicas, como ele ter quase morrido porque o esqueci no sol durante um verão em que me distraí tomando banho de mangueira, a mentira era que ele sabia cantar o hino do Vasco: o Fred, assim como todos em casa, torce pelo Flamengo.
Não pude deixar de me lembrar da famosa afirmação do saudoso poeta Manoel de Barros: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”. Claro, nem todos os que aderiram ao jogo dos dez fatos são escritores. Mas olhando a sequência de fatos apresentada pelos meus amigos e contatos, relacionando à pequena mentira sobre o periquito, cabe a inevitável pergunta: quem garante?
Após análise minuciosa de várias listas nas redes sociais, além dos conceitos de pós-verdade estabelecidos nos últimos tempos, surgem na minha cuca outras questões que me fazem desconfiar dessa coisa toda. Aliás, a Universidade de Oxford elegeu o neologismo post-truth como palavra do ano de 2016. É claro que a pós-verdade não passa, em muitos casos, de um eufemismo para a boa e velha mentira de políticos, especialmente quando defrontados com evidências de que estão metidos em maracutaias. Ouvi no rádio por esses dias um marqueteiro explicando o fato de ter usado Caixa 2: “nossas contradições constroem nossas armadilhas, meu cérebro criou escudos etc”. Rapaz, quer mais pós-verdade que isso? O superego do sujeito deve ter tomado anabolizantes.
Logo neste mês de abril, que começa com o dia da mentira, para o qual fiz, há uns anos, uma quadrinha singela:
Dúvida que ninguém tira
Desde a minha tenra idade:
Se hoje é o dia da mentira
Os outros são da verdade?
Ao ler essas listas de nove verdades para uma mentira, concluo que, com a devida apuração dessas listas e cada um dizendo que de fato aquelas verdades não são tão maravilhosas como se pintam, a proporção talvez seja maior ainda, não digo meio a meio, mas uns 60/40. Ainda com a maioria sendo de verdades, pois minha crença no ser humano continua inabalável. Talvez tudo melhore um pouco quando, seja nas listas pessoais ou no dia-a-dia dos políticos, as pós-verdades sejam, de antemão, assumidas como pré-mentiras.
Por isso reconheço desde já: se o Fred não canta o hino do Vasco, tampouco entoa o do Flamengo.