Paris sem spleen

Escrevo esta missiva hebdomadária de Paris, onde estou para uma sequência de eventos literários com umas dezenas de outros escritores. A maioria é oriunda do Brasil, mas há outros dos outros países lusófonos e até de outras nacionalidades, mas que falam e escrevem em português.

Essa Printemps Littéraire Brésilien, a Primavera Literária Brasileira, chegou de mansinho em 2014 como um evento da Sorbonne voltado para alunos de português da universidade, mas logo se tornou um acontecimento maior, expandindo o conceito para outros espaços culturais e eventos maiores como o Salão do Livro de Paris, para onde vou correndo assim que pôr o ponto final desta crônica.

Pode parecer estranho mais de 30 pessoas de afastarem do seu país para discutir a literatura local. Com tanto perrengue acontecendo no Brasil (os quais não vou listar aqui para não extrapolar os caracteres necessários pelo bom senso para uma crônica), que fazem esses bestas do outro lado do Atlântico? O que pode ser discutido de forma relevante em terras estrangeiras que não seria melhor debatido no próprio olho do furacão? Que negócio elitista é esse?

Essas perguntas nos trazem outras, que vão oscilando entre o geral e o particular, entre a história de cada um e a representatividade do grupo. Primeiramente, lembro-me de que o grupo de autores aqui selecionados representa segmentos importantes da literatura brasileira contemporânea. Sete deles, inclusive, foram descobertos pelo Prêmio Sesc de Literatura, concurso para inéditos que tenho a honra de coordenar, e que seleciona seus vencedores unicamente pelo critério da qualidade literária. E vieram, quase todos, por conta própria, uma vez que é um projeto colaborativo, sem patrocínio. Desse modo, não há celebridades aqui, não há agraciados com dinheiro público, leis de incentivo ou as mamatas que parecem nortear o comportamento brasileiro.

Portanto, trazemos a diversidade brasileira, que deve ser mostrada sim em todos os lugares possíveis. Mesmo em tempos bicudos como esses que vivemos, precisamos evidenciar que a voz de artistas da palavra continua se manifestando para tentar recriar o mundo.

E como representante de periferia carioca, de uma minoria que é maioria silenciada há gerações e gerações, não posso deixar de lembrar: resistimos e vamos abrindo caminho onde não era para ter caminho. Não sou ativista de redes sociais, mas soldado de campo, e enquanto puder levar nosso desejo de sublimação pela arte da palavra, eu vou.

Não há melancolia aqui, não rola spleen – sequer gosto de fumar, como essa gente aqui faz tanto –, e sim o entusiasmo ora falante ora mais sutil, como as crianças que vi lendo agora há pouco no metrô, nas pequenas revoluções silenciosas que aconteciam nas respectivas cucas.

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Assunto crônica

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