Ilustra: FP Rodrigues
O Natal passou que ninguém viu. Na semana passada, muitos correram durante a noite para as compras e os shoppings ficaram lotados com pessoas se atropelando como acontece em todos os anos. E como acontece em todos os anos alguém mais crítico parou no meio do corredor, pôs as sacolas no chão para descansar da maratona, olhou em volta e perguntou, imbuído de certo olhar analista: cadê a crise?
O Natal passou e todo mundo viu, porque me parece ser a data mais importante do ano para a maioria católica, e me parece que católica ainda é a maioria. Em termos subjetivos, só perde para o próprio aniversário, mas olhando para o mundo com um sentido de coletividade não tem concorrência.
E teve especial de Natal do Roberto Carlos se atualizando com os cantores do ano para agradar os idosos e os mais novos, a musiquinha da Leader Magazine só não deve irritar mais os funcionários da loja porque eles imaginam o quão ruim seria não ter sequer aquele emprego (meu irmão já trabalhou lá, e foi demitido sumariamente), teve um monte de Papais Noéis que conseguem trabalho emulando as temperaturas do hemisfério Norte, mas ninguém reclama dessa falta de lógica porque no fundo todo mundo sabe que o mito do Natal tem na verdade pouquíssima lógica como um todo.
Porque teve o inescapável e absurdamente figuraça Inri Cristo nos lembrando: o aniversário de Jesus é em março. A partir do ano 274, os romanos começaram a comemorar 24 de dezembro como “o dia do sol invicto”, porque era um tipo de vitória nasceu o sol depois da noite mais longa do ano. E com o tempo juntaram tudo numa festa só, e corrigir isso agora é algo que fica para as calendas gregas.
E teve um dos meus melhores amigos, irmão de vida inteira, que perdeu a mãe num acidente sem o menor sentido às vésperas do Natal, fazendo-nos questionar o sentido disso tudo – e o sentido disso tudo me foi revelado numa foto dele erguendo a filha na praia, com um céu azul imenso ao fundo.
E foi o Natal da falta de tempo num ano que se arrasta e vai arrastando tudo que encontra pela frente. As famigeradas Retrospectivas serão de lascar, por conta de tanta bagaceira que assolou tudo ao longo do ano – as pessoas, o Rio de Janeiro, o país e o mundo.
E nós aqui tocando o barco, olhando aflitos esse fim do segundo tempo e torcendo para que não tenha prorrogação.