Ontem saí da Bienal do Livro de São Paulo, depois de participar de ótimo debate sobre a importância dos prêmios literários, e peguei um Uber daquele compartilhado, que sai mais barato.
Sou muito fã desse serviço (e adianto à leitora que esta não é uma crônica patrocinada!), e acredito que, pela praticidade e flexibilidade, possa ser o futuro dos táxis tal como os conhecemos. Mesmo porque fiquei abismado ao saber que uma autonomia de táxi custa 100 mil pratas no Rio de Janeiro. Isso me lembra um pouco a época em que uma linha de telefone fixo, serviço que na minha casa chegou apenas no ano 2000, custava o preço de um carro popular.
Mas sou fã também porque os motoristas em geral me parecem pessoas comuns, talvez por estarem começando a trabalhar na área, muitas vezes dispostas a trocar ideias com os clientes. Pode ser que no futuro fiquem como alguns taxistas da velha guarda, sábios das generalidades que nos empurram ouvido adentro suas certezas sobre tudo e preferências musicais das mais diversificadas.
Não me esqueço da outra vez em que, voltando de um evento literário, um motorista de Uber quis saber sobre o meu trabalho e quis me comprar um livro autografado para a filha. E ontem, para minha surpresa, o Uber pool foi partilhado com duas pessoas muito interessadas em leitura.
O primeiro era o Vicente, estudante de medicina de 21 anos, que voltava de uma rara balada, pois não é de sair muito para essas coisas. O rapaz tímido gosta muito de ler as aventuras do Percy Jackson.
Depois entrou a Ivana. Não perguntei com o que ela trabalha mas me pareceu muito esperta sobre todos os assuntos – jornalista? – e não sei a idade porque seria uma indelicadeza perguntar. Mas pelo que vi na penumbra do carro devia ter os seus 50 anos. Sim, nosso motorista era o Fabio, que devia ter a minha idade – ou seja, seminovo.
A Ivana adora biografias e história. Leu todos os livros do Laurentino Gomes, mas não ainda os da Mary Del Piori e Lilia Schwarcz, que indiquei e ela anotou. Gosta de ler coisas que retratem a realidade, contando fatos que aconteceram, ou pelo menos supostamente, visto que toda escrita, literária ou não, possui escolhas e recortes que relativizam o dito.
A Ivana nos mostrou, toda orgulhosa, o seu leitor digital, onde cabem centenas de livros. Ela raramente compra os impressos, pesados e mais caros. Já o Vicente rebateu dizendo que já lê muita coisa em tela o tempo todo, seja em celular ou computador, e não imagina ler os livros do Percy Jackson em outra forma que não no papel. Comentei que o meu moleque de 14 anos, que passa boa parte do tempo no celular e nos games, acabou de ler “Os três mosqueteiros”, edição integral e impressa, e está num entusiasmo só para outros livros.
O Fabio tomou outro caminho porque uma festa de rua interditou o caminho indicado pelo Waze, e concordou com o Vicente, pois livro bom mesmo é o impresso. Ivana, pelo que percebi, se sentiu surpresa e moderna com a perspectiva do jovem. Acredito que todos estavam contemplados.
Por conta da corrida mais longa, o papo continuou e fiquei feliz por compartilhar espaço e tempo com três figuras tão interessantes. A Bienal do Livro segue, acaba do fim de semana e voltaremos à programação nornal, mas espero que nesses pequenos espaços de coletividade as trocas continuem. Na leitura de livro e de mundo, temos muita estrada ainda para percorrer.