Semana passada estive no Ciep que havia sido invadido e depredado. Conforme ameacei na crônica anterior, reuni um grupo de escritores de primeira e fomos lá conversar, ler poesia, gritar, rir e chorar com alunos e professores. Apelidamos o evento de POEMAÇO (assim, em maiúsculas mesmo) e fomos lá no famoso CDA, como é conhecido o Centro Integrado de Educação Pública Carlos Drummond de Andrade.
Fui aluno dessa escola em 1989, ano importantíssimo da nossa história – tanto que usei como ponto de partida para o primeiro romance: queria revisitar a época transportado com o olhar da ficção. Antes, meu irmão e eu tínhamos sido alunos de outro Ciep, na Av. Brasil, onde também retornei há uns anos para conversar com umas turmas. Sempre que passo em frente a essas escolas, um pequeno filme é exibido na cuca, tanto das coisas boas quanto das ruins que aconteceram nesses espaços.
Nosso pingue-pongue sobre a tampa da caixa d’água, vez por outra, era interrompido por um tiroteio que nos fazia correr para dentro do prédio. Nesse período fazemos amigos de quem temos saudade a vida inteira. Reencontrá-los nas redes sociais ameniza um pouco, mas a vida adulta mostra naquelas fotos apenas umas frestas da lembrança, uns vestígios dos garotos que um dia fomos, num sentimento mezzo doce mezzo triste.
Veio agora uma frase do Millôr Fernandes: rever é perder o encanto. Mas revisitar a escola onde se estudou é outro lance. Voltar para o Ciep CDA teve agora um sentido maior que um reencontro – mesmo porque tenho ido lá nos últimos anos, regularmente, inclusive uma aluna me mostrou no celular uma foto nossa do ano passado. Agora a escola tinha sido invadida, quebrada e roubada, como se já não bastasse o abandono pelo qual vem passando ao longo de tantos anos, de tantos governos.
Assim como vários escritores, tenho um carinho especial por escolas. Mesmo não sendo um autor de editoras didáticas – essas que fazem um trabalho mais incisivo nas redes públicas e particulares, algumas colocando a visita do autor condicionada à adoção dos seus livros –, raramente recuso um convite, dando um jeito de encaixar no meu pouco tempo livre. Fui professor de sala de aula por apenas um ano, depois mais um em cursinho, e abandonei uma matrícula da rede estadual mesmo antes de assumir o cargo. Creio que a presença na condição de autor permita um tipo de didática diferente sobre ideias e livros, que se soma ao trabalho da escola – ou talvez só sirva para isso mesmo. Há uns anos, aceitei o convite da Secretaria de Educação do Estado para um cargo de gestor, confiante na possibilidade de fazer mais pela rede pública. Nas reuniões com as outras chefias, via mais especialistas em Power Point e anglicismos da moda do que gente preocupada com os muitos problemas por que passam as escolas. Tratar de questões diretamente ligadas ao ensino era, muitas vezes, motivo de piada, num tipo perverso de bullying. Minha indignação só aumentou.
Assim como política, religião e futebol, é comum encontrarmos a todo tempo especialistas falando bonito sobre educação. De candidatos bem-intencionados a tubarões que fornecem serviços e produtos salvadores, soa estranho quando vemos o que de fato chega à garotada, o que realmente se converte em ensino.
Daí a importância do POEMAÇO. Foi nessa escola que li pela primeira vez o poema “Memória”, do Drummond. O verso “nada pode o olvido” foi estranho porque não conhecia essa palavra – parecia “ouvido” escrito errado. E aprendi, para nunca olvidar, que significava esquecimento. Semana passada tivemos mais um dia de aula. Écio Salles, Flávia Côrtes, Otávio César Jr. e Letícia Brito, meus atuais colegas de ofício, foram lá comigo e me ajudaram a misturar a vida da escola com a escola da vida, dizendo para aqueles jovens que nunca se esqueçam daquele tempo precioso. Conforme aprendi num livro de literatura, a poesia é atemporal, e por meio dela é que podemos aprender sobre passado e futuro, como se fosse nosso dever de casa.