Retratos VGA de uns amigos Full HD – parte 2

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(crônica publicada no site Vida Breve)

Marcos Peres – de Maringá para o mundo, esse cara chegou para elucidar quando confunde e confundir quando se explana. Ciente de que a realidade não passa de um jogo e espelhos côncavos e convexos, faz só reflexão: juntou Borges e Hitler, recebendo logo a admiração de neonazistas que não entenderam nada e o ódio de moralistas semialfabetizados. Atribulado funcionário público e jogador de futebol, parece que sempre acabou de acordar, disfarce perfeito para quem está o tempo todo colhendo ideias e as bifurcando no jardim da cuca. Recebeu um brasão da prefeitura pelos serviços prestados à cultura da cidade, motivo de orgulho da família e de sucessivas trollagens de amigos, num tipo de inveja ariana.

Celina Portocarrero – a Celina é o próprio charme que a traduz. Essa postura régia e britânica é resultado também de muito trabalho vertendo clássicos para a nossa última flor do Lácio, ofício no qual maneja com perfeição cada frase e sentido. Artista do vernáculo, Celina sabe que, pra boa morfologia, meia palavra basta. E por isso vai logo no que interessa: reunir pessoas ao seu redor que comunguem da mesma necessidade de poesia. Ela mesma, vaticinada que só, consegue a rara proeza de fazer um poema de amor sem cafonice e falar da mulher sem virulência, tudo num mesmo verso.

Fred Girauta – quando o Fred nasceu, um anjo torto, desses que pintam o sete, disse: “Vai, cara, ser guache na vida.” Poeta temporão, não tem pressa para as urgências da molecada, e por isso lançou o primeiro livro só depois dos cinquenta. Mas gostou do resultado e já tem outra obra engatilhada para 2036. Quem viver, lerá. Praticante de pingue-pongue e letrista, consegue ser concreto e abstrato ao mesmo tempo, mesmo porque, no fundo, sabe que não existe tanta diferença. Fredão é distraído e todo odara, toca os dias na maciota, sempre em busca do ócio perdido.

Simone Campos – a Simone foi precoce, e já era 32 bits quando o mundo tentava entender o Lotus 1 2 3. Relevada aos 17 anos, ainda com filmes de 36 poses, antecipou o protagonismo dos geeks quando eles eram chamados nerds e CDFs cheios de espinhas e outros termos pejorativos. Hoje é musa geek, faz fidedignos cosplay de personagem de games e escreveu um romance sobre a vontade de fugir disso tudo. Simone sabe que a vida é um jogo, e por isso mesmo é que evita a todo tempo ser gamificada pelo sistema. Pesquisadora, ela mesma é quem dá as cartas e criou seu próprio livro jogo.

Marcelo Moutinho – quando o Marcelo cruzou de Madureira para a Barra da Tijuca não havia ainda a Linha Amarela para facilitar a vida dos suburbanos a fim de uma praia. Por isso, hoje na Zona Sul, sabe que o coração caiu do caminhão da mudança e permaneceu lá, no calçadão, perto da quadra do Império Serrano. Daí que passou a olhar o Rio de Janeiro como esse terreno de conflitos: estar quase nunca é ser, é que se lê nas entrelinhas do trem de suas crônicas e dos contos. O Marcelo escreve da Central a Santa Cruz, mas não nega o ramal de Japeri, porque mais importante que retratar a paisagem mutante lá de fora é observar com apuro os gestos dos passageiros. E se descobrir um deles.

Adriana Lisboa – prosadora de mão cheia, parece que a Adriana sempre deixa a outra vazia e entreaberta. Porque capta com minúcias aqueles silêncios que todo mundo deixa passar. Vegana convicta, aceita e respeita o próximo, mas convém não convidá-la para aniversário no Outback. Vive nos Estados Unidos, de onde vê o Brasil que existe em cada lugar. No bom sentido da palavra, sempre. Cuidadosa e cirurgiã do texto, a Adriana contraria a célebre assertiva do Conde de Buffon, segundo o qual “o estilo é o homem”. E nessa é que respeita o leitor, sem objetivo que não a de contar bem uma boa história. Ao vencer o Prêmio José Saramago, deixou para trás promessas há décadas não cumpridas pela nossa literatura: nunca o Brasil esteve tão perto do Nobel.

Marcelino Freire – esse é o cabra. Diz-se que existem pelo menos cinco Marcelinos atuando agora, simultaneamente, em eventos literários de norte a sul do país. Membro adamantinum do programa de milhagem, quando não existe uma feira que o convide, é porque ela ainda não existe. E vale cada oxente. Generoso com o próximo, já abriu tantas portas para escritores e leitores que pode entrar diretamente em qualquer casa para tomar um café literário. Dá oficinas, palestras e escreve seus próprios livros nos salões de embarque. Saiu de Sertânia, cresceu em Recife e se mudou para São Paulo, capital do capital, onde começou a publicar e agitar a galera. Tendo sido aluno do mestre Yoda Raimundo Carrero, logo matou o pai. De orgulho.

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Assunto crônica

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