Recusados pela Flip (parte 2)

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(crônica publicada no site Vida Breve)

Na semana passada, este cronista que vos tecla, num exercício onanírico de investigação e jogos sombrios de influência, teve acesso exclusivo à lista de autores rejeitados pela Festa Literária de Paraty – Flip para os íntimos. Pelas respostas obtidas, parece que muitos se identificaram.

Com a divulgação do primeiro rol de autores que ficaram de fora, nossa redação recebeu mais uma série de depoimentos, nos quais os escribas explicam os motivos pelos quais foram recusados. Sob autorização expressa dos autores, reproduzimos alguns:

Sammy Vasconcellos, DJ e agitadora cultural de Ouro Preto/MG: “O fato de eu nunca ter escrito um livro é um tremendo preconceito desses caras. Nem responderam meu e-mail em que me ofereci para elevar a Flip a um novo patamar, mais contemporâneo e diversificado. Gente, eu combino, seleciono, compilo diferentes sons numa sequência arrasadora, que mantém a galera da cidade vidrada por horas. Não consideram isso um tipo de texto, não é poesia escolher e encadear? Pode só quem escreve livrinho impressinho bonitinho? Música é vida, é arte, é o que respiramos. Eu faço projeções, chamo convidados para tocar, alguns bem conhecidos, até ex-BBBs. Já organizei nflashmobs, e quem perde são eles. Elitismo de gente que se acha. Caretas do inferno!”

Prof. Dr. Mamede Alcântara, coordenador do Departamento de Letras do Centro Universitário Emílio de Menezes, de Paranavaí/PR: “Nossa missiva não encontrou eco junto aos representantes do evento. A bem da verdade, recebemos algo que, após análise dos meus orientandos, revelou-se a chamada ‘resposta automática’. Ser tratado por um robô nos fez lembrar de meu livroEstruturalismo Reborn, que trata especificamente de pesquisas sobre estudos de análises reflexivas e recortes acerca de Barthes, Todorov e Jackobson. A nova edição, com o termo anglicano, foi ideia genial de nossa companheira de departamento, professora recente e ex-aluna Amância Peres, ela mesma um estímulo ao nosso trabalho. Se o livro é sempre adotado em nossos cursos como leitura obrigatória, não entendemos como pôde ser recusado por um evento desta monta, como a Flip.”

P. V. Cirilo, ex-estrela literária da geração 00, de São Paulo/SP. “Cara, quando participei doreality show ‘Cirilo dei bai dei’, pareceu que minha carreira passaria por um reboot. Mostrei para a galera meu processo criativo, compartilhei com geral minhas angústias e o que gosto de fazer no tempo livre, os games e filmes que curto e tal. Acho que ficaram com raivinha de mim por conta da influência que tenho na mídia, que, aliás, eu controlo. Véi, na boa, eles me construíram e agora eles me destroem, dá pra entender? Eu, que fui o arauto de uma nova geração de autores, agora nem consigo editora para o meu novo romance, que vai se chamar Cirilo sou eu: uma egotripa visceral. Mal perdem por esperar, pois estou cultivando cavanhaque e em breve vou renascer na cena literária, fênix essa que sou.”

Eustáquio Rosa, autor tímido mas em franca ascensão de Florianópolis/SC: “Agradeço pelo espaço e reproduzo a justificativa que me deram: ‘Olá, Rosa. Tudo bem? Saiba que somos seus fãs e que seu livro Regalo e confluência, altamente cerebral e complexo, figura entre os preferidos aqui na equipe. No entanto, é sabido por todos que você não demonstra proficiência mínima ao falar em público. Circula pelo Youtube o vídeo com o seu ataque de algo que pareceu afasia na Bienal do Livro, quando você congelou diante da plateia até sair correndo pedindo um iogurte. Entende a nossa posição? Como te colocar na tenda e correr esse risco surgir um constrangimento para todos nós? Se ao menos você conseguisse apenas ler, como fez o Coetzee, vá lá, mas também sabemos que, ao tentar isso, você ficou muito vermelho e desmaiou num congresso recentemente. Ficamos honrados com a sua oferta, Rosa, mas seus livros falam mais que você, de cuja presença, infelizmente, podemos e preferimos abrir mão.’”

Rodrigo Johnson, blogueiro adolescente de extrema direita, de Ribeirão Preto/SP: “Cara, essa esquerdinha caviar que domina o evento não me dá espaço, têm medo de quê? Eu viralizo, vou no ponto, conheço história, da recente e até mais antiga, que já pesquisei na wikipedia. Hauhauah Meu pai falou que banca a minha ida pra Paraty (teria que falar antes das 20h porque durmo cedo), então nem precisavam gastar. Com e economia, dava até pra levar mais um marxista da PUC. Hauahuahahuaha Quero ver me colocarem cara a cara com esses bosta, novos ricos tirando onda de pobre, querendo o nosso lugar de comando. Eu quero é isso, discutir política, falar da volta dos militares pra pôr ordem nessa zona toda. Eu iria de farda e coturno, só de onda. Uhahauhauaha

Rafael Sampaio, blogueiro adolescente de extrema esquerda, do Rio de Janeiro/RJ: “Aqui na Gávea não é lugar para coxinha. A gente questiona o discurso das elites, sedimentado há gerações, e tá a fim de quebrar os paradigmas. A Flip me recusou por bairrismo, porque é um evento cultural mais de São Paulo que do Rio. Não entendem o que é ser do contra, o que é defender as minorias, a diversidade. É o capital internacional, o imperialismo que sufoca a gente há gerações, esse capitalismo opressor. Na chopada da sexta a gente combinou de abraçar a Lagoa, todo mundo de vermelho. Meu pai ameaçou não me dar carro novo se eu continuar com esse papo, mas tenho princípios e ele sempre arrega.”

Palmirinha de Alencar & Silva – Presidente da Academia de Letras de São Pedro dos Crentes/MA: “Menina, somos vítima de um sistema centralizado no Sul, mas aqui a coisa ferve, veja só. Os poetas marginais da cidade me criticam por ser mulher do prefeito, que também é empresário, dono de terras e outras coisas que nem sei. Mas é tudo infundado, de um pessoal baixo nível, sabe? Não dou ouvido para essa laia. Mesmo porque sempre fui engajada nas causas sociais, e a gente se reúne na Academia todas as terças para nosso chá, quando então falamos de vários assuntos de cultura, moda e culinária. Minhas queridas Tetê Alvarenga e Jana Pedrosa, finíssimas, estão organizando nossa tertúlia. Vai ser um must. A Flip seria uma chance de levar São Pedro para brilhar no mundo, né?”

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Assunto crônica

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