(crônica no site Vida Breve)
Ontem participei de um bate-papo numa livraria, coisa que gosto pacas de fazer, agora que sou um ex-tímido. O título era “encontro com jovens escritores”, de maneira que, do alto dos meus 39 anos – seminovo, no estado, lataria com mossas aqui e ali, conquanto motor ainda suficiente para uns bons quilômetros estrada –, ser enquadrado no rol dos jovens me deixa felizmente fora de um hai-kai cruel que se aplica a determinados colegas contemporâneos, os quais sempre vale dar uma trollada: “de tudo o que mais me irrita / é bancar o garotão / e não passar de um tio sukita”. Trollar, negódi nerd.
E já que não me foi outorgada a categoria dos semivelhos, aceitei a convocação de boa.
E o lance descambou para a questão dos jovens leitores. Acho que pensar o jovem é um dos assuntos mais relevantes hoje. Pode não parecer mais uma novidade, mas há poucas décadas o jovem não passava de um meio termo, nem criança nem adulto, situado num entrelugar desajeitado da sociedade. O jovem pobre, então, era um potencial quizumbeiro, cujas atividades só eram amainadas por medidas coercitivas, sendo amontoados em instituições como a Febem. A situação está longe de ser resolvida, mas tenho visto caminhos sendo bem trilhados. O Estatuto da Juventude só foi sancionado recentemente (antes só havia o ECA), e mesmo lugares que antes eram carceragem hoje abrigam importantes projetos voltados exclusivamente para jovens, como o maneiríssimo Plug Minas, em Belo Horizonte, onde cada prédio da Febem se tornou um núcleo de criação de arte e cultura para a garotada. Na minha época (opa) não tinha nada disso.
E se o jovem é o protagonista de tanta coisa – vide o junho/2013 –, no mundo da leitura não é diferente. Há uns anos ninguém poderia prever que a turma mais nova iria ler tanto que se expandiria mais para a frente, criando um filão de mercado chamado jovem adulto, que lota os grandes eventos de livros, onde se veem garotos e garotas carregando pilhas de calhamaços. Fãs, fanáticos por livros. Que maravilha.
Cresci ouvindo a máxima de que jovem não gosta de ler, escrever menos ainda, e fui para o caminho inverso, só de ruim. Depois, quando surgiram os computadores e toda a revolução digital, ouvia especialistas alarmados sobre a morte do livro, o fim da leitura etc. E se a TV sempre foi o inimigo, chegara ainda o comparsa videogame: as crianças que jogavam iriam maquinalmente crescer repetindo as ações dos bonequinhos da tela. E, sinceramente, não vejo ninguém por aí dando cabeçadas em blocos de onde saem moedas e pulando sobre tartarugas, ou mesmo pessoas tomando pílulas num labirinto escuro para depois devorar os fantasmas que antes o perseguiam. Aliás, ao terminar de escrever esta crônica devo jogar uma partida de futebol aqui no PC com a minha molecada: vivo tentando reaprender coisas com eles.
E por falar em reaprender, na rearrumação da biblioteca encontro um volume de crônicas de educação da Cecília Meireles. Lá pelo início da década de 1930, motivada pelo movimento da Escola Nova, a poeta escreveu no Diário de Notícias uns textos que caberiam bem aos nossos dias. Sobre o que leem os adolescentes na sua busca de um mundo distante para se fixar: “Se de súbito lhe dirigirmos a palavra, acordarão perplexas, tontas ainda das paisagens por onde andaram, embevecidas pelos diálogos que ouviram./ Sairão de dentro da sua profunda leitura com um suspiro longo, tão longo, que se sente bem por que distâncias andavam.”
Algo não mudou muito no teor dessas leituras, e a Cecília, como todo bom poeta e demiurgo, nos deixou o recado, de forma crítica e reflexiva. E hoje o próprio jovem busca a sua voz como autor.
Mas sobre isso continuo teclando semana que vem, pois agora é hora do nosso futebol aqui. Fui.