Das pequenas e grandes resistências

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Semana passada visitei uma escola pública para conversar com alunos na sala de leitura. Sempre tento conseguir tempo para esse tipo de atividade, que é das experiências mais maravilhosas para quem trabalha no ramo das ideias. Mais do que nunca, ceder nosso tempo ao encontro com os jovens não é caridade ou favor a conhecidos que trabalham nas redes de ensino, mas mergulhar na fonte mais importante que constitui o caldo social.

(Pobres dos meus colegas de escrita que, na sua segurança de classe média, torcem o nariz para esse tipo de público, enquanto aguardam convites para eventos literários chiques.)

Quando fui aluno da rede pública, praticamente durante toda a vida de estudante, não havia muito espaço para que expressássemos opinião de forma séria. O jovem pobre era um potencial bandido e, além de não ser ouvido, sofria um bullying constante até fora dos muros da escola. Lembro-me de um episódio, da época do Ciep, quando fomos dar um passeio (rolezinho?) lá pelo calçadão de Madureira depois das aulas. O segurança das Lojas Americanas nos acusou de estar roubando doces, levando-nos para um canto da loja. Em seguida, com outro sujeito que estava sem uniforme, nos mostrou um martelo de alho, com que ameaçou esmagar as nossas mãos caso voltássemos à loja. Amedrontado, não entrei mais lá de uniforme, ainda que nunca mais o nosso grupo de colegas tenha falado sobre o assunto, dada a então normalidade daquele tipo de cena.

Hoje é possível que esse tipo de situação aconteça. Mas um aparelho celular com câmera poderia filmar toda a ação dentro da loja, que poderia se espalhar nas redes sociais até que a rede de lojas se desculpasse publicamente. O preconceito existe e, pelo cenário político em torno das áreas de Educação e Cultura, infelizmente não deve sair de cena tão cedo. No entanto, me parece que temos uma geração de jovens mais atenta, com acesso a informação e direito a voz.

O fenômeno das ocupações das escolas é um plot point histórico. Aprendemos que matar aula era uma coisa boa, evitando o máximo possível a permanência no espaço escolar. E agora vem a garotada promovendo justamente o contrário. Precisamos urgentemente encontrar um antônimo para matar aula – viver aula?

(Acabo de ler que duas escolas ocupadas têm desempenho acima da média no ENEM.)

Penso isso tudo e volto ao papo na Escola Municipal D. João VI. Trata-se de uma unidade de integração, em que alguns alunos com diferentes deficiências convivem com os demais. Enquanto eu falava com a galera, um aluno fez várias perguntas a respeito de literatura, quadrinhos e mercado de trabalho. Esse jovem, Lucas, é autista.

São dessas pequenas resistências que se formam as maiores, e nos dão esperança de que nossa sociedade saia dessa barbárie cyberpunk para a qual ensaia caminhar.

Leio o comovente e duro livro “Poemas do povo da noite”, do tocantinense Pedro Tierra. Foi escrito enquanto o autor estava preso, no regime ditatorial, quando tinha seus vinte e poucos anos. E no primeiro verso do primeiro poema, diz: “Perdemos a noção do tempo”. Quarenta anos e duas gerações depois, acho que poderemos ressignificar essa matéria chamada tempo com aqueles que ainda os têm nas mãos. Esses alunos, para mim, representam essa resistência: à opressão do mundo, da política, de um futuro míope.

Uma das perguntas que me fizeram era sobre de onde vêm as ideias para se escrever. Comentei com os alunos: estar aqui com vocês é uma grande motivação e me enche de ideias. Por isso esta crônica é dedicada aos alunos e professores da Escola Municipal D. João VI, de Higienópolis, Rio de Janeiro.

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Assunto crônica

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