Jovens leitores por um autor seminovo – parte 2

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(crônica publicada no site Vida Breve)

Ao fim da última crônica, fui jogar futebol no computador com meus moleques. Ainda que entrasse em campo com a vantagem do vivido, estufando o peito para dizer que bato bola numa tela desde a época do Atari, quando a pelota era um quadrado, levei uma surra fenomenal. E quando jogamos de verdade, o mais novo, tão ágil quanto magricela, me humilha sem muito esforço, fazendo-me lembrar daquela frase do Quintana, sempre exato: “A experiência é um médico que chega quando o doente já morreu”.

Só me resta praticar e tentar entender a rapidez com que essa molecada lida com o real e o digital. Sou de um tempo – perdão pela expressão esclerótica, eivada de um saudosismo caquético, quando tudo parecia melhor sob o filtro otimista da memória – em que se pensava no real versus o digital (quando ainda se chamava virtual), uma ideia ou tecnologia chegava para substituir a outra, e não se somar. Acreditava-se que a única coisa que ao mesmo tempo era analógica e digital era o exame de próstata.

E assim, a fotografia iria matar a pintura, o cinema atropelaria o teatro, a televisão iria violentar o rádio (o teatro também), o videocassete exterminaria o cinema, e os videogames iriam fazer todo mundo se matar. Volto aos games como um caso interessante porque trabalhei numa videolocadora durante anos, enquanto estudava Letras, e gostava de conversar com os clientes sobre os filmes e os jogos. E o que se vê é que tudo convive e, com alguma sagacidade, se apoia.

E a leitura/literatura com isso? É interessante ter acompanhado a transição de algumas safras, e ver que, para os da chamada geração Z (nascidos de meados dos anos 1990 para cá), o mundo dos livros é tão apetitoso quando os de qualquer outra possibilidade, suporte ou meio de se receber bom conteúdo. E por isso mesmo é que eles se tornaram também grandes produtores de conteúdo, utilizando também todas as formas de divulgar seus trabalhos que estão disponíveis. Não são mais tão raros os casos de autores amplamente lidos, analisados e comentados apenas nas redes sociais, ainda que desconhecidos nos meios oficiais e “sérios” da grande cultura, como se estivessem num mundo paralelo. E quem, afinal de contas, é o paralelo nessa história? Na verdade, ninguém.

Quando surgiram os blogs, nos longínquos anos 00, encabeçamos neles por conta das possiblidades de trocas de leituras e conexões. E meu grande aprendizado foi a relevância de contar com mais um canal para tentar cultivar e cativar leitores, algo que os mais novos já fazem com eficácia.

Nesta semana, recebi uma ligação de uma mulher, cuja filha de quinze anos acabara de escrever um romance e havia recebido uma proposta de uma editora. Conversando no viva voz com as duas e o pai, me pediram dicas de como proceder com contratos, capa, vendas etc. Não sou consultor editorial e espero ter dado conselhos positivos, mesmo porque o mote da história pareceu ser bem legal. Mas o que me deixou espantado foi a naturalidade com que isso tudo se deu. Quando tinha quase essa idade, disse que gostaria de ser escritor após vencer um concurso de frases na escola, e ouvi mais gargalhadas e deboches do que incentivo. Sorte tudo ter mudado e ter surgido uma estrutura que permita o exercício da criatividade.

O que eu disse para a jovem autora é: só escrever e publicar não basta, mesmo que seja só na internet. Se antes as pessoas próximas não nos liam, com a internet é possível sermos ignorados em qualquer lugar do mundo, a qualquer hora. Por isso é que as vantagens da vida digital se somam a visitas em clubes de leitura, escolas e eventos literários. Mas isso fica para a semana que vem, pois é hora da revanche no futebol aqui com os meus moleques.

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Assunto crônica

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