E-mail a um jovem poeta

crônica publicada no site Vida Breve.

Ilustração: Rafa Camargo

Prezado,
Recebi sua mensagem. Também vi que estava em DM no Twitter, na mensagem de Facebook — e colado no meu mural —, além de ter sido enviada para o meu e-mail de trabalho. Surpreendeu-me ter chegado também uma versão impressa pelo método tradicional. Uma vez que sou apenas um dos cinco escritores aqui do meu prédio, certifiquei-me que o pacote não havia sido entregue no apartamento errado. Ainda que eu não disponha de tanta credibilidade assim, fico bastante grato pela consideração e expectativa em torno da minha leitura. Lembrei-me de uma frase do Quintana, mais ou menos como “todo mundo deveria escrever poesia contanto que não venha me mostrar”, o que de fato é uma crueldade em relação a quem está começando a trilhar a densa mata fechada que é a literatura.

 

Mas vamos lá. Muito me admira sua tentativa de traduzir em versos os seus conflitos diante do mundo e das coisas. De ampliar sua percepção da realidade em poesia e buscar reconstruir o mundo dando sentido ao que não possui, que é a vida etc. Todavia, tenho algumas recomendações a fazer após leitura criteriosa e imparcial, e por desorganização minha decidi separar por tópicos:

1) O prefácio de 27 páginas em que você justifica o motivo do livro e oferece uma explicação para cada poema me assustou um pouco. Mas fui pegar um café e continuei a leitura. Acho o título Prefácio Interessantérrimo meio pretensioso.

2) Não sei bem como dizer, mas poesia não é onanismo,tampouco terapia. Parece que o grande objetivo da autoajuda é vender livros de autoajuda. Poxa, rapaz, transferir os seus problemas para o leitor é um crime cuja punição deveria ser umas chibatadas com galhos finos de goiabeira. Ele já tem coisas demais para resolver, não precisa ser importunado com descrições pífias acerca das suas frustrações, medos e demais infecções da alma. Você não precisa de crítica,amigo, mas de diagnóstico.

3) No prefácio você disse que jamais lê poesia para não sofrer a tal angústia da influência, pois o poema “brota em minh’alma sem contaminação com plantios alheios”. É provável que, além de diagnóstico, seu problema também seja de cultivo, e nesses casos sua cuca precise urgente de uma reforma agrária.

4) Posso estar enganado, mas parece que todos os poemas em que há texto foram copiados das suas conversas eletrônicas com uma ex-namorada. Não é que não pode, mas algumas coisas da sua intimidade eu não precisaria saber e não transcendem nem de longe o terreno de um monte de DR. Achei os decassílabos “vai encontrar alguém que te mereça”, “o problema sou eu, não é você” e “agora vai ser tudo diferente”, mas foram intencionais, a fim de dar forma fixa a uma relação esfacelada?

5) Várias páginas estão em branco, dezenas delas. Voltei ao prefácio e parece que a ideia era justamente reproduzir uma experiência de nihilismo e fazer o leitor “refletir”. Num momento de distração, meu filho acabou pegando o livro e rabiscou um monte de coisas ali e minha maior dúvida está entre brigar com ele ou aclamá-lo um prodígio da arte de vanguarda.

6) Por falar nisso, não creio que seja interessante o fato de um poema ser composto por um jato de urina sobre a página e o outro uma amostra de dejeção colada na folha. Os títulos “Presente para o mundo nº 1” e “nº 2” soam engraçados, mas a mim parece mau gosto — e mau cheiro. Se soubesse eu teria lido só o pdf…

7) Você vomitou num dos poemas? Foi acidente ou proposital? Não encontrei referências no prefácio, o que talvez me leve a fazer uma superinterpretação. Numa das cartas do Sabino para a Clarice ele dizia, acerca da necessidade de retratar as angústias apesar da pouca estrada, “vomitar o que, se não comemos?”. Você leu isso e levou ao pé da letra? E como resolveu isso (e o item anterior) em toda a tiragem?

8) Segundo o prefácio, todos os textos passaram pelo crivo do evento de poesia que você frequenta no bar, aplaudidos e consagrados numa noite linda. Mas lembre-se, nesse tipo de lugar eles vendem bebida alcoólica, e já vi muitos comentando na sinceridade do banheiro: achei um porre. Isso tudo pode comprometer um pouco o juízo durante o karaokê poético, e não sei se é bom levar tão a sério. O melhor é ver se a cerveja está bem gelada.

9) Valeu o esforço de inserir um tipo de ensaio no final do livro. Tem coisas interessantes, mas não sei, o poema “Operário em construção” pouco tem a ver com o Concretismo e sua tese edificante não se sustenta — sem trocadilho.

10) O poema epigramático “cu não leva acento/ assento leva cu” é um dístico até engraçado e causa certo espanto. Mas fica por ali mesmo, um ó.

Por fim, não sei se era esse tipo de leitura que você buscou ao me apresentar esse volume de poemas. Não sei dizer se Pepitas frugais (sugiro mudar o título do livro) vai ter uma boa carreira, mas o importante é continuar tentando seguir em frente. Abração.

 

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Assunto crônica

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