Vade-mécum do genuíno texto acadêmico

(crônica publicada no site Vida Breve.)

É dúvida constante da maioria dos alunos o modo como escrever a sua monografia de fim de curso, o famoso TCC. Na verdade, sempre existe algo mais interessante para se fazer, empurra-se a pesquisa com a barriga, de modo que toda a preocupação se concentra na última semana, resultando num trabalho mixuruca feito às pressas. Para evitar que essa contingência impeça a aquisição do trofélico diploma, segue em primeira mão uma seleta de informações, à guisa de auxílio, encontráveis na maior parte dos trabalhos bem-sucedidos.

1) Do tema:

– Definitivamente, é possível desenvolver qualquer ideia sob a forma de texto. Uma palavra vale mais que mil imagens.

– Ainda assim, é preferível repetir os mesmos temas dos medalhões das respectivas áreas. Do contrário, corre-se o risco de se ter o trabalho anulado, ou lido com indiferença.

– Assuntos contemporâneos, polêmicos e instigantes são recomendáveis apenas àqueles que pretendem mudar de curso antes da formatura.

– Não há dúvida de que a melhor escolha é feita da “lista de temas”, fornecida pelo professor orientador. A incapacidade do aluno sempre é prevista, além do que é preciso oxigenar um pouco o projeto de pesquisa para o qual o mestre ganha uma bolsa do CNPq.

2) Do título:

– Tornou-se praxe a utilização de palavras esdrúxulas como título, seguidas de um subtítulo comportado, indicando que despojamento e informalidade não podem ultrapassar a primeira página. Aliás, ficam na primeira linha.

– Exemplos: “TE ESCONJURO, MIZIFIO: breve estudo sobre o falar afro-baiano”; “ATÉ LAMBI O PRATO: apontamentos para uma práxis da gula infanto-juvenil”; “DEIXA QUE EU DEIXO: considerações acerca da organização político-partidária brasileira”.

– É de bom tom o uso de termos que sugiram metáforas indecifráveis.

– A ausência de título só pode ocorrer se o trabalho contiver algum teor niilista. Desde que haja uma nota — também em branco — explicando a autorreferência.

– É bom saber que o título será o máximo que muitos lerão do trabalho.

3) Da epígrafe:

– Toda epígrafe é melhor vista se estiver em língua estrangeira, com atenção naquela especificamente não dominada pela banca.

– Uma citação que não tenha relação alguma com o trabalho pode atestar uma suposta sacação inteligente.

– Duas epígrafes sempre são melhores que uma, principalmente se os autores estiverem separados por vários séculos e não houver relação alguma entre elas.

– Até hoje ninguém foi reprovado por inventar uma epígrafe perfeita ao trabalho e atribuí-la a um Nobel.

4) Dos agradecimentos:

– Agradecer a um número grande de pessoas pode dar a impressão de que o trabalho foi extremamente dispendioso.

– Na lista, o professor orientador deve vir por último, em negrito de preferência.

– Prestar agradecimento a indivíduos cuja vida não está de forma alguma ligada ao trabalho, como o jornaleiro ou o entregador da drogaria, sugere que a pesquisa de campo foi deveras ampla.

– Esquecer-se dos agradecimentos significa que pais, amigos e professores pouco ajudaram na produção do trabalho, o que é verdade na maioria dos casos mas não pega bem explicitar.

5) Da confecção textual:

– É imprescindível que a construção textual se dê pela balanceada alternância entre citações e paráfrases.

– Não se escreve com dez palavras claras o que se pode escrever com vinte palavras empoladamente monstruosas.

– Errado: “E assim concluímos que o cigarro prejudica a saúde”; certo: “Destarte, porventura apresenta-se o cancro ao praticante contumaz do ato fumarento na proporção direta da cumulação do malefício supracitado num período cabível de formação nodulosa no organismo desse mesmo indivíduo, cerceando-lhe o bem-estar natural a médio ou longo prazo”.

– Fica extremamente proibida qualquer manifestação de criatividade. Para isso existem os grandes nomes.

– Aumentar consideravelmente o tamanho da fonte faz o texto ficar bem mais longo, infração detectada somente por especialistas.

6) Das notas de rodapé:

– As melhores notas de rodapé são aquelas que contêm um enorme bloco de texto, causando/acentuando miopia pela prolongada leitura de fontes tão pequenininhas.

– Deve-se lançar mão de uma nota de rodapé para distrair o leitor quando o trecho for por demais insípido, fazendo-o sair do texto principal mas sem abandonar a obra.

– Termos latinos já são incompreensíveis em si, e nas notas é possível usá-los de forma abreviada, gerando ainda mais confusão e soberba.

– O fato é que ninguém lê as notas.

7) Da bibliografia:

– A bibliografia é analisada não pela seleção criteriosa de material de pesquisa, mas por volume de laudas.

– Convém dar preferência a obras de difícil acesso. Tão melhor se algumas inexistirem.

– Sobrenomes exóticos e de muitas consoantes sempre causam boa impressão, principalmente se o autor for indiano, israelita ou romeno. Sem conseguir ler o nome, o leitor passará para a próxima referência e sequer notará que se trata de uma obra de outra área.

– Soa bem ostentar o domínio de várias línguas pela utilização de obras estrangeiras originais, mesmo quando há boas traduções na livraria do shopping.

LEMBRETE: copiar todo o trabalho do Google é um grande risco. Além de constituir crime de plágio e falsidade ideológica, os professores estão mais plugados. Sei de vários que, inclusive, estão enfim abrindo contas no Orkut.

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